O preparo físico de atletas de judô pode estar sendo feito há cerca
de 30 anos com base em um princípio parcialmente equivocado, revela um
estudo realizado por pesquisadores da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP).
A pesquisa, publicada recentemente no periódico on-line Journal of Visualized Experiments,
investigou de que forma o organismo dos judocas libera a energia
necessária para a realização dos movimentos exigidos na arte marcial.
A conclusão foi de que o esporte de origem japonesa demanda energia
de três diferentes sistemas metabólicos. Até agora acreditava-se que a
modalidade dependia majoritariamente de apenas um deles.
Até agora acreditava-se que o judô dependia majoritariamente de apenas um dos três sistemas metabólicos do organismo
O organismo dispõe de três sistemas de conversão de nutrientes em
energia. Atividades como corrida ou ciclismo, que representam períodos
longos de exercício moderado, dependem do metabolismo aeróbico, que
utiliza oxigênio para transformar glicose em energia, água e gás
carbônico.
Em exercícios mais curtos e intensos, como salto e musculação, a
glicose é quebrada sem a necessidade de oxigênio e gera como subproduto
ácido lático – são chamados, por isso, de anaeróbicos láticos ou
glicolíticos.
Já para demandas muito rápidas de energia, os músculos se valem de
outro tipo de sistema anaeróbico, o chamado alático, que usa fosfagênio
como fonte energética em vez de moléculas de glicose.
“Na literatura especializada, encontramos referências desde a década
de 1980 que afirmam que o judô é um esporte essencialmente lático”, diz o
doutor em educação física Emerson Franchini, coordenador do estudo.
“Embora haja um nível elevado de participação desse sistema, os outros
dois são igualmente importantes.”
Equipamento portátil
Os sistemas metabólicos utilizados em exercícios cíclicos como
caminhada, corrida ou ciclismo são facilmente mensuráveis. No
laboratório, é possível monitorar a composição gasosa da respiração de
um atleta enquanto ele executa os movimentos e, após a conclusão da
atividade, medir o nível de açúcar e outros compostos no sangue.
Artes marciais em geral e esportes em equipe, como futebol, não podem
ser reproduzidos em laboratório, já que os movimentos utilizados são
imprevisíveis e dependem das ações dos parceiros ou oponentes. Por isso,
explica Franchini, essas modalidades têm recebido muito menos atenção
de pesquisadores.
Para estudar os sistemas metabólicos utilizados durante a prática do
judô, além de trabalhar com exames de sangue antes e depois da luta, o
grupo da USP lançou mão de um equipamento portátil que analisa os gases
liberados na respiração do atleta durante o combate.
- Atletas lutam enquanto o
equipamento, que pesa cerca de 800 gramas, monitora os gases liberados
na respiração de um deles. A identidade dos voluntários é mantida em
sigilo. (foto: Emerson Franchini)
Franchini explica que o aparelho usado para medir os gases não
atrapalha a realização de qualquer tipo de movimento pelo atleta. “Como
funciona por telemetria, não precisa de cabos que o conectem a um
computador para a coleta dos dados.” O dispositivo pesa cerca de 800
gramas, o que equivale a menos de 1% do peso dos judocas.
O aparelho usado para medir os gases não atrapalha a realização de qualquer tipo de movimento pelo atleta
Os experimentos envolveram 12 judocas profissionais de São Paulo,
todos faixa marrom ou preta, e foram realizados em um ambiente típico de
treinamento. Assim como em pesquisas com voluntários na área de saúde, a
identidade dos participantes do estudo é mantida em sigilo.
Em um primeiro momento, os atletas realizaram três diferentes
técnicas de projeção durante cinco minutos, sendo que cada projeção era
realizada a cada 15 minutos. Em outro teste, os judocas trabalharam na
maior intensidade possível, derrubando o adversário o mais rápido que
conseguiam.
O coordenador do estudo explica que o método utilizado em atletas de
judô pode ser adaptado para outros esportes de difícil análise. O
próprio grupo da USP já fez experimentos com modalidades como escalada indoor e remo.
Além de pesquisador e professor na USP, Franchini é faixa preta em
judô e preparador físico de atletas de nível internacional, como os
medalhistas olímpicos Leandro Guilheiro e Thiago Camilo. Segundo ele, a
rotina de treino desses atletas já tem incorporado o conhecimento sobre
os sistemas metabólicos envolvidos nos exercícios.
Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR